segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Os vinhos do Porto e do Douro, a Casa Ramos Pinto e o seu Arquivo


           
Nas páginas deste livro procuramos traçar com exatidão a síntese histórica da Casa Ramos Pinto, uma empresa de referência no mundo dos vinhos do Porto e do Douro nascida no século XIX, no período da filoxera, que tanto afetou as vinhas de Portugal e da Europa do seu tempo.
            Fundada em 1880, precisamente no ano em que o combate contra a praga que atingia as videiras durienses se torna obrigatório pelo decreto de 22 de junho, coincide o seu desenvolvimento com o boom das exportações vinícolas do país, que aumenta 55% entre 1880-84 e 146% entre 1885-89, com boas colheitas em 1884-85, quando as exportações vinícolas passaram a representar mais de metade do valor do comércio externo nacional e o Vinho do Porto cerca de metade das exportações vinícolas1.
            Face ao decréscimo das exportações que se acentua na década seguinte, procurou novos mercados e de entre todos elege o Brasil como o principal destino dos seus produtos, que lhe retribui o esforço passando a incorporar o gosto pelos seus vinhos nos hábitos quotidianos das famílias nas principais cidades2. Adriano Ramos Pinto agradece ao Rio de Janeiro em 1906 com a oferta de uma fonte monumental esculpida por um artista francês3.
            Ocupando ao longo dos tempos diversas instalações no Centro Histórico de Gaia, em 1908 adquire a antiga Casa do Pátio, na marginal do Rio Douro, junto aos antigos estaleiros navais, um imponente edifício que, após notáveis obras de adaptação se transforma no palácio do Vinho do Porto, como passa a ser designado devido à sua decoração interna, onde as obras de Arte sobre temas vinícolas coabitam com os escritórios e os gabinetes da direção.
            Já então a empresa era suficientemente conhecida pela excepcional qualidade dos seus produtos e também do seu acondicionamento, rotulagem e publicidade, procurando o seu fundador em Portugal e pela Europa fora os melhores artistas e as melhores oficinas para os executarem4.
            Em 1896 Adriano associa à administração seu irmão António, que passa a ser o gestor atento e incansável, ficando o primeiro com a parte criativa, cuja audácia comercial prosseguirá mesmo após o desaparecimento do fundador em 1927.
            Não foi possível aos autores separarem a biografia de Adriano da história da firma por ele criada. Estamos perante um caso em que a empresa foi a vida do seu criador, na qual pôs todo o seu saber, a sua sensibilidade artística, a sua grande capacidade de produtor vinícola, a sua mente inovadora nas áreas do marketing e da publicidade, as suas qualidades humanas muito para além do saldo imediato do ano económico, criando uma aura que não é apenas uma lembrança histórica, mas que persiste porque à solidez da mensagem se tem adicionado a permanente inovação, num propósito que poderia ser sintetizado no conservar o que é eterno e renovar o que é efémero.
            A vida íntima e familiar de Adriano quase que se apaga perante a construção dessa família mais alargada que são os seus agentes, ainda que distantes, os seus colaboradores diretos, os vendedores, os seus capatazes, os seus trabalhadores de armazém, os clientes e os consumidores. Para todos cria, a partir de uma realidade bem concreta, um mundo ideal de graça e beleza, com Arte, Literatura, Música e excelente convivialidade em torno do seu vinho, cosmopolita, universalizante, fraterno.
            O mundo local era pequeno o opresso para Adriano que, por isso, viaja até Paris, até ao Brasil, até à Europa do norte, em busca da imagem, da frase, da sensação de felicidade que pudesse distribuir dentro de uma garrafa com a sua assinatura.
            Contrapondo um pouco a esta mundividência, a partir da grande fase de afirmação da firma, a presença de seu irmão António, com uma vida familiar e social mais estável, contribuiu para a consolidação do devaneio comercial, dando-lhe a solidez que lhe permitiu ultrapassar os solavancos das épocas e, através dos seus descendentes, continuar a obra de seu irmão até aos dias de hoje, com todas as brilhantes adaptações que os tempos foram sugerindo.
            A empresa atravessou ao longo dos tempos as grandes alterações sociais, económicas e políticas dos últimos cento e trinta anos: a implantação da República no Brasil (1889) e em Portugal (1910); a Grande Guerra de 1914-1918; o prohibicionismo no Brasil, que então procurava seguir o abolicionismo que se passava nos Estados Unidos da América; o crash da Bolsa de Nova Iorque de 1929; a Segunda Guerra Mundial de 1939-1945; a diminuição drástica de exportações para o Brasil; o golpe militar de 25 de abril de 1974 em Portugal e encontra-se agora enfrentando com sucesso a recente recessão mundial, como empresa do grupo Roederer, nascido na Champagne em França e atualmente também com vinhos em Bordéus e na Provença, e ainda com produção vinícola na Califórnia (EUA), além de Portugal.
            O segredo do sucesso desta empresa, que procuramos desvendar neste livro, deve-se à procura incessante da qualidade dos seus vinhos, juntando com segurança e sabedoria a tradição e a inovação, conquistando assim a fidelização de gerações de consumidores e a adesão das gerações mais novas.
            Como se poderá constatar nestas páginas, a Casa Adriano Ramos Pinto sempre conciliou a sua produção agrícola e comercial com as Artes, a Literatura, a Filantropia, as inovações tecnológicas, a História e a Arqueologia. No primeiro caso contratou artistas, promoveu concursos, patrocinou estátuas, encomendou músicas, editou livros tão famosos como Os Lusíadas de Camões ou D. Quixote de Cervantes. Mas também se preocupou com o bem estar dos seus empregados e das populações carenciadas que socorreu com donativos e outras ações. Ao longo dos tempos aliou às mais rigorosas práticas de confeção dos seus vinhos as mais sofisticadas análises laboratoriais e apoiou estudos de Biotecnologia e Vitivinicultura, sendo sócia fundadora da Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense (ADVID).
            Em 1974 adquiriu a Quinta da Ervamoira no Vale do Côa, promovendo aí a inovação da plantação sistemática de vinhas “ao alto” e a separação rigorosa por castas antes iniciada na sua Quinta do Bom Retiro. Mas também aí promoveu escavações arqueológicas desde 1985, que foram chamando a atenção para a importância dos vestígios do passado na região, então ameaçada pela construção de uma barragem, a que a descoberta das gravuras rupestres em 1994, e a sua classificação como Património Cultural da Humanidade em 1998, vieram por fim. Desde novembro de 1997 que a Ramos Pinto tem aberto ao público nesta quinta o seu Museu de Sítio de Ervamoira, que elucida o visitante sobre a presença humana na região, a evolução da paisagem e o povoamento no período romano e medieval, para além da história da Casa desde a sua fundação até às suas mais recentes produções, tornando-se assim este complexo agro-turístico uma mais valia para a região onde hoje pontifica o Museu do Côa, acompanhado de outros monumentos e sítios musealizados numa região rica em vinhos e em História. E esta é uma outra característica da Casa Ramos Pinto: desde muito cedo e ao longo dos anos sempre entendeu que os vinhos portugueses e, em especial os do Porto e do Douro, transportavam consigo a memória de gerações que atravessaram os séculos e se aliaram com outros povos que lhes reconheciam o mérito de produto internacional. Essa saga merece ser contada e preservada e para tal conservou o seu espólio documental, criando o Arquivo Histórico Adriano Ramos Pinto (A.H.A.R.P.) localizado na sede da empresa em Vila Nova de Gaia, o qual tem vindo a ser tratado, catalogado e disponibilizado, dando origem a diversos trabalhos de investigação e divulgação nas mais diversas áreas que se centram em volta do universo dos seus vinhos5. Esta situação é absolutamente excecional no mundo dos vinhos do Porto e do Douro no que diz respeito às empresas privadas que os preparam e comercializam sediadas em Vila Nova de Gaia6.
            Os estudos sobre a História Empresarial são relativamente recentes, pois apenas começaram a ser academicamente considerados a partir dos anos sessenta do século passado, sobretudo nos Estados Unidos e em Inglaterra7 e, entre nós, a partir dos anos oitenta, se bem que, muitos deles ainda diluídos na História Económica. Mas desde os anos vinte que a Casa Ramos Pinto publica livros sobre a história do seu sucesso e sobre as características peculiares do seu fundador conforme se poderá comprovar pela bibliografia específica que apresentamos no final do volume8.
            Foi assim esta empresa uma das primeiras a
«… utilizar o seu passado com fins publicitários. A longevidade, ou a capacidade de sobrevivência, é considerada como um indicador de excelência no mundo empresarial, e daí o interesse das empresas em promover a redação e publicação de histórias oficiais ou encomendadas, geralmente coincidindo com efemérides ou aniversários assinalados»9.
            Foi o que a firma fez em 1980, assinalando o seu centenário com a edição de um livro sobre a sua arte publicitária da autoria do conhecido historiador da Arte, Professor Doutor José Augusto França, o qual conta já com várias edições10. Mas fora desses eventos, a firma também entende que
«o desenvolvimento experimentado pela História empresarial nos dois últimos decénios e a sua crescente influência em outros ramos do conhecimento científico parecem indicar que a velha relação de subordinação – de uma disciplina de segundo plano como a História empresarial e outra de primeiro plano como a Teoria económica – estão a dar lugar a outra relação de igualdade e colaboração entre matérias autónomas e de idêntica importância…»11.
            Os autores do presente livro estão bem conscientes que o Arquivo Histórico Adriano Ramos Pinto é um daqueles que
«…conservam documentos que se têm revelado essenciais para o conhecimento da História, não apenas da História da economia mas também da política, sociedade, arte, técnica e muitos outros assuntos. É difícil assinalar quais deles são os mais interessantes do ponto de vista histórico, pois o mesmo documento pode ser útil para investigações muito diferentes…. Para a história das empresas nada pode substituir a informação que proporciona o seu próprio arquivo»12.
            Por todas estas razões ele foi a principal fonte para a presente narrativa que, longe de esgotar as suas potencialidades, apenas dá delas o essencial sobre a história da firma considerando a investigação já realizada, e abrindo a porta a muitas outras elaborações futuras. Nas páginas que se seguem procuramos aliar o rigor da informação à fluidez da prosa destinada a todo o tipo de público, desejando que uns a leiam como um romance, embora não ficcional, e outros talvez como um livro erudito e ponto de partida para estudos complementares. Para estes arrumamos as citações e notas no final do livro por capítulos, para não atrapalharem a leitura aos primeiros e estarem à mão para os segundos, sem pretender de modo algum hierarquizar os tipos e grupos de leitores.
            Para todos selecionamos a iconografia com profusão, a inédita e a indispensável, esta última tida como a já clássica griffe da Casa Ramos Pinto, sempre atual e sempre atraente. Acreditamos que todos os nossos leitores estarão de acordo que a esta empresa se aplica com infinita propriedade o título do livro El vino, Arte que se puede beber13.
            Se nos é permitida uma recomendação final, folheie-se este livro demoradamente, várias vezes e de tempos a tempos, sempre acompanhados por vinhos Ramos Pinto, tentando descobrir nele a causa do sucesso que juntou há mais de cento e vinte anos os vinhos do Porto e do Douro com a Arte para criarem momentos de rara felicidade neste mundo.

Graça Nicolau de Almeida
J. A. Gonçalves Guimarães

Notas

1           Para estes dados seguimos Martins, 1990, p. 349 e seguintes.
2           Penhaflor, [1926], p. 45; Ferreira, 2000.
3           Cf. Correia, 2000.
4           Cf. França, 1980.
5           Sobre o arquivo ver Almeida, 1997 e Caracterização… 2000, pp. 41-150.    
6           Sobre a história da firma, ou já produzida a partir do seu património, ver no final a Bibliografia da Casa Ramos Pinto.
          Das empresas de vinhos atualmente existentes, apenas duas disponibilizam em condições aceitáveis os seus arquivos aos investigadores, a Casa Ferreira (Grupo Sogrape) e a Real Companhia Vinícola do Norte de Portugal, para além do Instituto do Vinho do Porto; cf. Martins, 2000, pp. 217-238.  
7           Cf. Historia Empresarial …, 2003.
8        A primeira obra geral sobre a história da firma aparece por volta de 1926, quando ía a caminho de meio século de existência, da autoria de Penhaflor, [1926], cremos que um pseudónimo, talvez do escritor João Grave; a mais recente deve-se a Janneau, 2002, publicada a propósito dos seus 120 anos.
9           Santiago López & Valdaliso, 2003, p. 42, tradução.
10          Ver supra Nota 4.
11          Santiago López & Valdaliso, 2003, p. 48, tradução.
12          Tortella, 2003, pp. 150/151, tradução.
13        Sandi de Rincón, 2001.




quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Vinhos do Douro na Casa dos Condes de Resende


J. A. Gonçalves Guimarães*
Susana Guimarães**


Resumo:

            O património da Casa dos Condes de Resende resultou, como era habitual no Ancien Régime, da existência de propriedades desde longa data na posse da família e de outras incorporadas através de casamento, as quais asseguravam o seu sustento e proporcionavam rendas que lhe permitiam assegurar o status social. Entre as colheitas obtidas salienta-se o vinho das quintas localizadas em diversas regiões vinhateiras, dos vinhos verdes, do Baixo-Douro e do Alto Douro.
            Tendo já analisado em trabalho anterior a produção dos verdes e dos de Baião, abordamos agora a origem, produção e enquadramento económico dos seus vinhos do Douro.



Summary:

The heritage of Counts of Resende House was formed, as it was usual in the Ancien Régime, by ancient properties and other incorporated by marriage, what not only sustained the family but also provided rents, assuring their social status. Among the crops, the wine obtained in farms located in several wine regions such as the one from tart wines, Baixo Douro and Alto Douro, stands out.
Having already analysed tart wines and Baião production in a previous work, we now bring out the origins, production and economic frame of their wines from Douro.



Palavras-chave: 1 - Vinhos; 2 - Douro; 3 - Condes de Resende; 4 - Gaia         


* Historiador; Solar Condes de Resende, director; Mestre em Arqueologia; membro da APHVIN/ GEHVID; ggui@portugalmail.pt.
** Historiadora; Solar Condes de Resende, técnica superior de História; Mestre em Estudos Locais e Regionais; susanaggguimaraes@sapo.pt.

1.     Os vinhos na Casa dos Condes de Resende

            De há anos a esta parte os autores da presente comunicação têm vindo a estudar a Casa dos Viscondes de Beire e a sua incorporação por casamento na Casa dos Condes de Resende através da documentação existente no arquivo da antiga Quinta da Costa, em Canelas, Vila Nova de Gaia, conhecida como Solar Condes de Resende, sobre o que publicámos alguns trabalhos, outros aguardam publicação para breve e outros estão em curso de execução(1), tendo igualmente esta documentação servido já a outros investigadores, estando igualmente em vias de publicação ou apresentação pública mais alguns estudos(2).
            Nesse universo de uma das mais importantes famílias portuguesas do Ancien Régime certamente que são múltiplas as possibilidades de abordagem, interessando-nos agora apenas a produção vinícola própria, as diferentes qualidades e o valor económico do vinho originário das suas propriedades, bem assim como o seu transporte, armazenamento, consumo e comercialização a partir, ou em torno, desse mesmo universo familiar.
            Já em trabalho anterior abordamos a sua produção e consumo de vinhos verdes e do vinho da Quinta de Vila Nova, Santa Cruz do Douro, Baião, relacionando-os com as referências que a eles poderá ter feito nas suas obras o escritor Eça de Queirós, cunhado do 6.º Conde de Resende(3).
            Desta vez vamos analisar aspectos relacionados com os seus vinhos do Douro, produzidos nas propriedades situadas no antigo concelho de Vilar de Maçada, desde 1853 freguesia do concelho de Alijó, na Região Demarcada do Douro(4).
            Terra antiga de pão, azeite, castanha, legumes e frutas, produzia também «vinhos de ramo excelentes, muitos dos quais servirão para embarque, principalmente os que se produzem no lugar de Cabeda para o Pinhão, que além de serem finos são notáveis pela sua cor muito coberta»(5).
            Sobre a importância dos vinhos na economia nacional e, por redução, na dos proprietários de vinhedos, registe-se aqui o que alguém da família do próprio Visconde de Beire, se não o próprio então com 25 anos, escrevia em 1799: «Parece [que] se não deve aumentar o [cultivo do] vinho por ser já tanto que nem o reino nem os estrangeiros nem os alambiques lhe dão consumo [acabando] por ficarem muitas adegas intactas»(6).
            Aviso inútil, como se verá, pois os séculos XIX e XX, tirando as épocas de guerra e carência de braços na agricultura, verão a vinha expandir-se em detrimento das terras de pão, de azeite e de outras culturas, ocasionando o excesso de oferta de vinho no mercado nacional e internacional e o consequente abaixamento cíclico dos seus preços junto do produtor. Mas isso é já outra questão, que aliás nos aparecerá com evidência na documentação adiante apresentada.


2.     Os proprietários da Quinta de Cabeda

A Quinta e o Morgadio de Cabeda em Vilar de Maçada, que constavam de várias propriedades e fracções, como veremos,  vieram ao primeiro Visconde de Beire, Manuel Pamplona Carneiro Rangel Veloso Barreto de Miranda e Figueiroa(7), de seu bisavô materno Henrique Correia de Carvalho Homem, que o transmitiu a sua filha D. Antónia Teresa Correia de Araújo, por sua vez casada com Barnabé Veloso Barreto de Miranda, que nos aparece como seu proprietário aquando das demarcações pombalinas. Estes últimos transmitiram-nos a D. Antónia Inácia Veloso Barreto de Miranda Correia e Araújo que casou com José Pamplona Carneiro Rangel Baldaia de Tovar e foram pais do visconde acima referido, o qual por sua vez, casou a 22 de Abril de 1818 com D. Maria Helena de Sousa e Holstein, os quais tiveram D. Maria Balbina Pamplona de Sousa e Holstein, que casou a 8 de Outubro de 1843 com D. António Benedito de Castro, 4.º Conde de Resende, entrando assim aquela propriedade no património desta família. Foi 5.º Conde de Resende D. Luís Manuel Benedicto da Natividade de Castro Pamplona, que sucede ao seu pai no título e nos vínculos desde que este morreu a 23 de Maio de 1865 até 23 de Maio de 1876, quando pelo seu precoce falecimento aqueles passam para seu irmão D. Manuel Benedito de Castro Pamplona, 6.º Conde de Resende, que vem a falecer em 1907 na Quinta da Costa, em Canelas, hoje conhecida como Solar Condes de Resende, onde, como já referimos, se guarda uma boa parte do arquivo adquirido à família, e que nos serviu de base para este estudo.
A propriedade conservou-se na família praticamente até aos últimos dias de vida do 5.º Conde de Resende que, como já referimos, faleceu com 32 anos de idade incompletos. Efectivamente no Livro de registo da conta corrente da Casa, a 28 de Junho desse ano pode ler-se o seguinte: «Do comprador da Quinta de Cabeda o juro de 4.500:000 reis, de 6 mezes adiantado, por letra em data deste dia – 135$000 reis». Infelizmente a fonte não nomeia o comprador(8).
Perdeu assim a Casa a sua grande quinta de vinhos do Douro. A Calelha, outra propriedade também em Vilar de Maçada e da qual adiante falaremos, tinha já sido vendida a 11 de Novembro de 1867(9) mas, além de pequena, parece não ter tido grande importância vinícola (Fig.1). Daí em diante a Casa só produziria vinhos verdes em Beire e Gatão (Penafiel), Santo Ovídio (Porto) e Canelas (Vila Nova de Gaia), e ainda o vinho da Quinta de Vila Nova, em Santa Cruz do Douro, Baião, fantasiado por Eça de Queirós em A Cidade e as Serras que de há muito o conhecia da adega da Casa de Santo Ovídio no Porto, que o recebia em quantidade(10).

Fig. 1 Vilar de Maçada
De todos estes proprietários da Quinta da Cabeda, à luz dos documentos que temos vindo a consultar, os mais determinantes na sua valorização vinícola futura foram Barnabé Veloso Barreto de Miranda, de quem falaremos a propósito das demarcações pombalinas, e o próprio Visconde de Beire, cuja gestão analisaremos mais à frente neste estudo.


3.     A Quinta de Cabeda nas demarcações pombalinas

Na demarcação pombalina de 1757, na freguesia de Vilar de Maçada encontramos referida a «Vinha de Barnabé Veloso, em o sítio da Calhelha»(11). Aínda na mesma freguesia, mas já no lugar da Cabeda, existia também a Quinta de Barnabé Veloso, que produzia vinhos de feitoria, e ainda «as Vinhas da Fonte» que produziam «vinhos de inferior qualidade para o Ramo»(12).
Na revisão daquela demarcação em 1758 o lugar de Cabeda foi dividido em duas áreas, a que produzia vinhos de 10$500 reis a pipa e a que produzia o de 6$400 reis a pipa(13).
Face à demarcação efectuada, em carta datada da cidade do Porto a 28 de Junho de 1759, a Junta envia ao rei «o requerimento de Barnabé Veloso Barreto de Miranda, fidalgo da Casa de Vossa Magestade, morador em Vilar de Maçada, termo de Vila Real em que representa [:] tem uma Quinta sita no Lugar de Cabeda que é circuitada sobre si e a principal daquele território a qual lhe ficou de fora da última Demarcação que se fez para feitoria em Novembro de [1]758, sendo o vinho que produz do melhor daquelas partes [e] que por este motivo o vendera sempre pelos melhores preços da feitoria e embarque; suplicava [que] se lhe metesse na Demarcação de feitoria a dita Quinta».
Os deputados e conselheiros da Junta afirmam no despacho que apõem à reclamação, «que achado produzir a subdita Quinta vinho capaz para embarque», são de parecer «que deve entrar a referida Quinta na Demarcação de feitoria»(14). Mas tal ainda havia de demorar o seu tempo.
Numa carta atribuída à Junta da Companhia Geral do Alto Douro endereçada ao então Conde de Oeiras em 1760, intitulada «Relação das fazendas que ficam divididas da demarcação feita em o mês de Novembro do ano próximo passado, as quais foram aprovadas por sua magestade ficando contíguas à demarcação», defendia-se que «a quinta de Barnabé Veloso rodeada de vinhas da produção de Ramo, situada em Vilar de Maçada, distante da demarcação meio quarto de légua», era indicada para ser incluída na área de produção do vinho mais cotado, passando dos vinhos de 10$500 para os de 15$000 reis a pipa(15). Tal promoção vinícola ficou consignada no «Termo de declaração, que mandaram fazer eles doutores desembargadores deputados, e conselheiros demarcantes sobre as fazendas que tendo ficado na primeira demarcação para preço de 10$500 reis, passavam agora nesta edição e acrescentamento ao de 15$000 reis», datado de 1771, entre as quais a «quinta de Barnabé Veloso Barreto de Miranda situada no lugar de Cabeda, freguesia de Vilar de Maçada que produzirá em cada um ano trinta e cinco pipas», diz o documento citado(16). Ficava pois esta quinta com os seus vinhos bem cotados, mas ainda fora da área dos vinhos de feitoria, o que só virá a ser alterado em 1788 por Aviso de 2 de Maio com a sua inclusão na Demarcação Subsidiária de D. Maria II, já no tempo de José Pamplona Carneiro Rangel, pai do 1.º Visconde de Beire, então proprietário desta quinta que lhe viera de seu sogro por casamento, como atrás dissemos(17).
      A toda esta “revisão cadastral” da Quinta da Cabeda no âmbito das demarcações do Douro vinhateiro, independentemente da maior ou menor qualidade dos seus vinhos, não é, nem poderia ser, alheia a importância social e política do seu proprietário Barnabé Veloso Barreto de Miranda. Efectivamente ele foi o 6.º Provedor da Junta da Administração da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, cumprindo quatro mandatos sucessivos entre 1781 e 1800(18), praticamente ao longo de duas décadas, durante as quais a Companhia se afirma e permanece como a grande empresa majestática dos vinhos portugueses, quando se incrementa a sua exportação para os portos russos do Báltico(19) e se regista o envio de grandes quantidades de vinho do Porto para Inglaterra. Em 1791 a acção da Companhia virá a ser prorrogada por mais vinte anos durante os quais o Alto Douro conhecerá um dos seus mais pujantes períodos de desenvolvimento(20).
Talvez por uma questão de pudor administrativo de quem não queria decidir em causa própria, igualmente entendida pelo interessado e por quem governava, a referida promoção da Quinta de Cabeda só ocorrerá quando o Provedor da Companhia atrás referido já não era seu proprietário, mas sim seu genro.


4.     O reordenamento da Quinta de Cabeda


Classificada então desde 1788 como produtora de vinho de feitoria, a Quinta da Cabeda vai ser alvo de diversas acções do 1.º Visconde de Beire que visam o seu reordenamento, a melhoria da sua exploração agrícola e a consequente rentabilização. É o que nos indica a análise exaustiva que temos vindo a fazer da correspondência com o seu procurador Manuel Joaquim Machado, residente em Vila Real, transcrita num Copiador existente no arquivo Condes de Resende(21) (Fig. 2).

Fig. 2 - Vinha em Cabeda 
Por ela ficamos a saber que em 1841 Manuel Pamplona Carneiro Rangel era proprietário da Casa da Fonte e de outras em Vilar de Maçada, nomeadamente a Calelha, uma vinha e a Casa do Ferrador, as quais pretendia vender para com o apuro adquirir «aquela quinta junto à minha, com a qual parte pelo lado do Pinhão» ou seja a propriedade contígua à Quinta da Cabeda, também situada no então concelho de Vilar de Maçada, na povoação da mesma freguesia com este nome, as quais, juntas, ficariam a ser «uma das boas peças do Douro», conforme afirma numa sua carta datada do Porto a 16 de Novembro de 1841(22).
Denominada aquela outra como Quinta de Braga, por pertencer então a D. Victória Luísa de Vasconcelos, D. Maria Rita de Vasconcelos e Brito e Manuel da Costa de Vasconcelos e Brito, naturais ou residentes naquela cidade, «dizem que já dera a dita quinta quarenta pipas de vinho; porém hoje o seu rendimento são dezassete e pedem por ela três contos e duzentos mil reis» conforme o informa o seu procurador, tendo a propriedade «uma boa mina de água no cimo de uma vinha, boas leiras de curiosidades, dois bons armazéns e uma boa casa; finalmente que tem qualidades que se encontram em poucas partes daquela terra»(23). Eram pois estas as características da propriedade que o 1.º Visconde de Beire queria acrescentar à sua Quinta de Cabeda. E tudo leva a crer que esta é também a razão pela qual na documentação posterior que referiremos a propriedade dos Condes de Resende no Alto Douro passe a ser apenas assim denominada, pois as restantes fracções antes existentes naquele concelho foram sendo alienadas pela família. Pelas mesmas razões acima apontadas para a denominação da Quinta dita de Braga, também a de Cabeda aparece em alguma documentação tardia denominada como Quinta do Porto, a cidade onde então moravam os seus proprietários, na Casa de Santo Ovídio, demolida no final do século XIX(24).
Nesta correspondência o Visconde de Beire revela ainda outros interesses pelas suas propriedades e pela terra onde estavam localizadas. Para além de tentar receber uma dívida através de acordo com os devedores, e não através da justiça, a qual seria paga em vinho, oferece-se para contribuir com meia moeda de ouro para a construção de uma nova ponte, talvez no Rio Pinhão, «se eu tiver, ou mesmo o Povo de Vilar de Maçada ou de Cabeda, alguma utilidade na Ponte», como diz na carta ao seu procurador(25), a quem amiudadas vezes dá instruções para melhorar a qualidade dos seus vinhos: «peço-lhe queira melhorar os vinhos tudo o que puder, botando-lhe toda a aguardente que julgar conveniente», escreve a 30 de Outubro de 1841; «que faça as bemfeitorias que julgar convenientes, e que ateste o tonel de Vilar de Maçada com o vinho bom para o dito atesto», a 2 de Novembro desse ano; «e repito que desejo que os vinhos se beneficiem e quando se derem a prova tenham por pipa um almude de aguardente, pelo menos, incluindo a que levou na fervença, e que há-de levar na gerupiga: o tonel de Vilar de Maçada também o desejo bemfeitorizado, se vocemecê o achar conveniente, se julgar que ainda é tempo de se botar alguma baga, e o vinho estiver falho de cor, queira botar-lha…», a 13 de Novembro; «estimarei que o vinho seja beneficiado com um almude de aguardente entrando a que já levou, e a da gerupiga, antes de se dar a prova da Companhia, e mesmo estimaria se estivessem prontos [os vinhos] para se darem à prova, aos compradores, que forem à Régua; e para tanto queira comprar a aguardente necessária, ainda que seja mais cara», a 20 de Novembro(26).
Enfim, uma preocupação constante com os seus vinhos do Douro.


5. O vinho de Cabeda nas contas da Casa

Analisando os livros de contas da Casa dos Condes de Resende, cuja cabeça era então a Quinta de Santo Ovídio no Porto, entre 2 de Janeiro de 1854 e 16 de Abril de 1881(27), ficamos a saber a importância do vinho da sua Quinta da Cabeda na sua economia, além de outros aspectos importantes que têm a ver com a sua qualidade, transporte e valor.
            Assim, a 27 de Maio daquele primeiro ano, encontramos a entrada de 120$000 reis «pertencente ao segundo pagamento do vinho da Quinta da Cabeda, da colheita do ano passado de 1853» vindo de Arthur Archer, que a 2 de Agosto faz o 3.º pagamento em «ouro e prata» no valor de 112$240 reis. A 5 de Setembro a colheita «deste corrente ano» valerá 240$000 reis recebidos de Archer & Sousa(28). Este negociante continuará a ser o comprador dos vinhos desta quinta até 1856, aparecendo no ano seguinte a comprá-los Manuel da Costa Guimarães, em 1859 António Augusto até 1866, em 1868 António Teixeira Cardoso, em 1869 Henrique da Silva, em 1871 João Eduardo dos Santos, em 1872 de novo Henrique da Silva e em 1874 a «Companhia dos Vinhos»(29). Alguns daqueles serão apenas meros intermediários locais e não exportadores.
            O vinho desta quinta foi sendo desvalorizado ao longo dos anos em análise: se a 27 de Setembro de 1862, 8 pipas e 21 almudes da novidade do ano anterior renderam 447$730 reis, ou seja cerca de 50$000 reis por pipa, em 1871, 24 pipas e pouco mais de meio almude já só renderam 745$815, ou seja pouco mais de 30$000 reis a pipa.
            Mas em 1874 a «Companhia dos Vinhos» pagou pela produção da quinta 915$920 reis, em quatro fracções: sinal, 1.º, 2.º e 3.º pagamento. Mas em 1875 esse montante chegou apenas aos 602$800 reis, o que mostra que, independentemente da qualidade do vinho, o seu preço dependia muito mais de outros factores, como a produção e a procura. Não era pois um rendimento certo, regular e garantido (Fig. 3).

Fig. 3 - Ruínas de lagar de 1835, Cabeda
 Se quisermos ainda outro termo de comparação entre o valor de vinhos diferentes nas contas da Casa, em 1854 uma pipa de vinho da Quinta de Vila Nova, em Santa Cruz do Douro, Baião, vinho branco de transição, vendia-se por 24$000 reis; no mesmo ano uma pipa de vinho branco da Quinta de Cabeda «já beneficiado» vendia-se por 57$600, ou seja, mais do dobro.
            Temos ainda que, para além do vinho tinto, ou simplesmente «vinho», a quinta também produzia vinho branco, que igualmente veio a oscilar no preço ao longo dos tempos em análise: se em Março de 1859
 três pipas já só renderam 67$500, comparando com aquela pipa atrás indicado vendida em 1854, em 1868, 65 almudes, ou seja, pouco mais de três pipas da novidade do ano anterior, renderam 113$455 reis. Em 1869 a venda de duas pipas de vinho branco «muito ordinário» renderão, mesmo assim, 57$670. A quinta não produzia pois apenas vinhos de primeira qualidade: já a 17 de Junho de 1870 registam as contas da Casa a venda de 5 pipas de vinho de Cabeda «muito ordinário» por 95$000 reis, ou seja, a 19$000 reis a pipa (quando a pipa de vinho da Quinta de Vila Nova se vendia a 15$000 reis); na mesma data vendem-se também 1 pipa, 14 almudes e seis canadas de aguardente desta quinta por 212$635 reis, ou seja, a 127$000 reis a pipa.
            Nas contas da Casa encontramos ainda referidas, não apenas as entradas provenientes das vendas do vinho de Cabeda, mas também algumas despesas com o seu granjeio e transporte. Assim, para além de despesas não especificadas, encontramos um pagamento ao almocreve «para beber, segundo o costume», ao tanoeiro «de compor 1 barril para vinho do Douro», despesa para «enxofrar em Cabeda» e vários pagamentos ao «portador d’amostra do vinho de Cabeda»(30), que nem sempre chegava ao Porto nas melhores condições. Já por carta de 9 de Abril de 1842 para o seu procurador, o Visconde de Beire, para além de se queixar dos Pintos de Vilar de Maçada, informa-o que «o Violas [um almocreve] ou os seus criados, trouxeram as amostras no pior estado possível: uma garrafa, ou vidro n.º 1, vinha vazia de todo; uma [de cada] do n.º 2, 3 e 4, vinham meias; as outras parece-me que não verteram, o que muito me aborreceu, e aqui ralhei ao Violas quando veio buscar o dinheiro, porém será bom que vocemecê também lhe ralhe, e lhe recomende para o futuro mais cuidado. Entreguei ao Violas cento e vinte mil reis; o caso é que este sacrifício que faço seja de utilidade, pois de outro modo não terei remédio se não sujeitar-me à desgraçada sorte dos Lavradores do Douro. Se o vinho se não vender, o que é provável, parece-me que para Maio se deve passar a pau limpo e botar-lhe 6 canadas de aguardente», remata na carta o Visconde de Beire(31).
            Encontramos igualmente despesas com o transporte desses mesmos vinhos: «por condução de 2 pipas de vinho de Cabeda desde o cais»; «por carreto, desde o cais…»; por «frete, despacho e tirada de 1 pipa de vinho do Douro»; por «frete de rio…»; «por aluguer de 1 carro para levar o vinho a casa do comprador»; por «carregação e carreto, desde o cais…»; além de «frete por água e terra, de castanha pilada, vinho, azeite e laranja», os produtos do Douro que chegavam à Casa de Santo Ovídio no Porto; e ainda «direitos de barreira por 24 pipas, 6 canadas de vinho de Cabeda… 83$745» reis em 15 de Maio de 1871; pagamentos ao «homem que andou na descarga do vinho»(32), enfim um conjunto de despesas que iam desde os 240 reis até à quantia atrás indicada e que obviamente teriam de ser descontados nos rendimentos que aquele produto duriense proporcionava aos seus produtores residentes no Porto e que eram, com certeza, também seus consumidores.


  1. Relações dos Resendes com outros produtores e exportadores

Sendo produtores de vinhos do Douro, mas não exportadores, é natural que os Condes de Resende se relacionassem com outros indivíduos que igualmente se dedicassem a estas actividades; em 1842 o 1.º Visconde de Beire recebeu em vinho o pagamento de uma dívida que para com ele contraíra Inácio Pinto de Vilar de Maçada, cujos herdeiros ficaram obrigados a pagar oito pipas para o ressarcir(33).
Vimos também as relações comerciais da Casa com diversos negociantes de vinhos ou intermediários durienses, bem assim como com a Companhia, de que recebia juros e dividendos, isto ainda no tempo do 4.º Conde de Resende(34), o qual também alugou a D. Antónia Adelaide Ferreira uma casa na Rua de S. Francisco no Porto (35).
Encontramos ainda relações do futuro 6.º Conde de Resende com «o Sandeman»(36), a quem a 14 de Outubro de 1869 paga 162$840 reis, e com Nicolau de Clamouse Browne(37), a quem a 19 de Julho do ano seguinte paga 28$800 de uma pensão. Mas para além destas relações muito particulares, seria sobretudo na Granja, a praia de elite do final de oitocentos situada no município de Vila Nova de Gaia, que o 6.º Conde de Resende conviviria com várias famílias de produtores de vinhos durienses e de exportadores e armazenistas portuenses e gaienses, nomeadamente as dos ingleses e outros estrangeiros aqui radicados. Mas tal já não cabe no âmbito deste estudo(38).


  1. Conclusão

Como já constatamos e escrevemos, à Casa dos Condes de Resende, quando esta família habitava a Quinta de Santo Ovídio no Porto, onde tinha vinho verde de lavra própria, chegavam também vinhos verdes de Beire, vinhos de transição de Baião e vinhos do Douro, situação que já vinha de trás quando era seu proprietário o 1.º Visconde de Beire. Estes últimos vinhos deixaram de afluir àquela propriedade em 1876, quando o 5.º ou o 6.º Conde de Resende venderam a Quinta de Cabeda.
Por sua vez a Quinta de Santo Ovídio seria também vendida após a morte da Condessa de Resende em 1890, sendo a Casa depois demolida e a Quinta desmantelada por volta de 1895. Já então o 6.º Conde de Resende residia na sua Quinta de Canelas, onde continuavam a chegar os vinhos do Douro, mas agora comprados. Efectivamente nas contas de despesa desta sua propriedade encontramos em Fevereiro de 1883 o dispêndio de 4$500 reis em meio almude de Vinho do Porto, despesa essa que se repete a 11 de Março, passando a um almude a 15 de Maio desse ano. Existem ainda outras rubricas com despesas de vinho para festas da Casa, ou para fornecer aos trabalhadores que executavam diversas tarefas. Mas não é indicada a sua qualidade ou proveniência, para além do facto de a própria Quinta produzir o seu vinho, o que já anotamos noutros trabalhos: naquele ano de 1883 são aí plantadas mais 59 videiras de 40 reis, 56 de 60 reis, certamente de vinho verde, «20 ditas do Porto a 700 reis [a] dúzia» e 1 dita americana(39). O vinho do Douro, nomeadamente o vinho do Porto, continuou assim a existir na Casa dos Condes de Resende, não já proveniente das suas antigas propriedades, mas agora comprado aos armazéns de Gaia(40).

 Notas

(1) Veja-se Guimarães (2006), onde se descreve o arquivo Condes de Resende a pp. 30-36; e também idem (2002a) e idem (2002b). Os autores da presente comunicação estão a elaborar uma biografia do 1.º Visconde de Beire.

(2) Por exemplo, Baptista (2006), pp. 63-74; Nunes (2010).

(3) Cf. Guimarães; Guimarães (2010), pp. 165-180.

(4) Temos lido na Internet algumas fantasias sobre a origem do topónimo Vilar de Maçada. As próprias armas recentes da freguesia ostentam uma maça de guerra que teria dado uma maçada em alguém! Ora a questão é simples: Vilar é uma parte da vila, no sentido medieval de propriedade agrária (cf. Fernandes, (2001), p. 239); Maçada, que nada tem a ver com maça, arma de guerra medieval, nem com o seu uso, vem do latim mattia– “pedra”, através de mattiada> maçada, ou seja, local pedregoso, tal como matteanu– deu maçano e mação, ou seja, pedreiro (cf. Idem (1999), pp. 400/401). Por sua vez Cabeda, do latim capeta, a povoação situada na extrema (no cabo) da vila agrária.
            Sobre esta freguesia existe o trabalho de Sampaio (1991).

(5) Citação de trecho da obra de Francisco Pereira Rebelo da Fonseca – Descrição económica do território que vulgarmente se chama Alto Douro, 1781, em Sampaio (1991), pp. 15/16.

(6) Texto publicado por Cruz (1970), onde a páginas 67 se põe a hipótese do autor citado ser o 1.º Visconde de Beire ou seu pai; o extracto apresentado, com ortografia e interpretação actualizadas, encontra-se na página 72 (N 7.º).

(7) Sobre o Visconde de Beire ver Guimarães (2006), pp. 55-60; Guimarães, (2009), pp. 261-268; Guimarães; Guimarães [2008].

(8) SCR-ACR – P11, Livro de registo de conta corrente, p. 164.

(9) SCR-ACR – P13, Livro de registo de conta corrente, p. 169.

(10) Cf. Guimarães; Guimarães (2010).

(11) Cf. Fonseca (2006), vol. I, p. 190; ortografia actualizada.

(12) Idem, pp. 192 e 193.

(13) Idem, idem, II vol., pp. 188/189.

(14) Idem, idem, III vol., p. 313; actualizamos a ortografia das citações.

(15) Idem, idem, pp. 112/ 113 e Nota (5).

(16) Idem, idem, pp. 226 e 230, Notas (3) e (4).

(17) Idem, idem, vol. I, p. 153 Nota (1) e vol. III, p. 313 Nota (1).

(18) Cf. Sousa; Vieira; Dias (2010).

(19) Sobre a exportação de vinhos para os portos russos do Báltico, ver Guimarães (1990), pp. 147-156; Sá; Pereira (1990).

(20) Sobre a História da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro veja-se Sousa (2006).

(21) SCR-ACR, Copiador – Visconde de Beire (Pasta 7).
.

(22) Idem, idem fl. 8v; ortografia actualizada, o que sempre faremos nas transcrições que se seguem.

(23) Idem, idem, fl. 9v.

(24) Veja-se o que um de nós já escreveu sobre esta Casa, Guimarães (2010), pp. 171-184.

(25) SCR – ACR Copiador …, fl. 6v.

(26) Idem, idem, fls. 3, 5, 6, 11.

(27) SCR – ACR, livros de registo de conta corrente, Nondina de Castro II (NC II); P14; PE 13 e P 11.

(28) SCR-ACR, NC II, pp. 52 e 60; Arthur Archer, com escritórios na Rua do Rosário 87, e Arthur Archer & Sousa, com escritórios na Rua da Reboleira 56 aparecem na relação dos Negociantes Estrangeiros no Porto publicada no Almanack do Porto de 1854; cf. Gonçalves (2003), p. 129.

(29) SCR-ACR, NCII, P14, P13 e P11; «Companhia dos Vinhos» ou só «Companhia» é a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, que por decreto de 4 de Março de 1858 passou a ser uma «associação puramente mercantil» (cf. Sousa (2005), p. 69).

(30) SCR-ACR, P13, 1863, p. 73v; P11, 1868, p. 1v e 2v.

(31) SCR-ACR, Copiador… fls. 44 e 44v.

(32) SCR-ACR documentação citada na nota 5.1.

(33) SCR-ACR, Copiador … fls. 8v, 9v, 10, 11, 16 e 16v.

(34) SCR-ACR, NCII p. 120.

(35) Idem, P. 14, p. 27.

(36) SCR-ACR P11, p. 24v. Não sabemos se se trata de Tomás Glas-Sandeman, escocês radicado no Porto, casado com D. Ermelinda Júlia de Brito e Cunha, negociante e exportador de vinho do Porto, ou de algum dos seus filhos, William, 1.º Barão de Sandeman, ou o mais velho Tomás que, por morte do irmão, foi 2.º barão; cf. Nobreza de Portugal, vol. III (1989), p. 285.

(37) SCR-ACR P 11, p. 41; sobre os Clamouse Browne e o vinho do Porto ver Guimarães; Guimarães (2001), p. 48.

(38) Sobre as pessoas que frequentavam esta praia gaiense ver Castro (1973).

(39) Cf. Guimarães (2002a).

(40) No Solar Condes de Resende nos dias de hoje degusta-se um vinho do Porto com a marca registada “Confraria Queirosiana” por ser promovido por esta entidade que ali tem a sua sede e que ali procura manter estas boas tradições que já preocuparam aqueles de que falamos neste trabalho, mas que, com certeza, também lhes deram prazer e alguma felicidade.
            A Confraria promove ainda um Douro tinto de homenagem do Marquês de Soveral, um dos Vencidos da Vida, e um espumante de vinho verde denominado “Eça”.
  

Fontes e bibliografia

Fontes manuscritas

Solar Condes de Resende – Arquivo Condes de Resende (SCR-ACR):

- P11 – Livro de registo de conta corrente (2 de Novembro de 1868 a 16 de Abril de 1881).
- P13 – Livro de registo de conta corrente (1 de Fevereiro de 1862 a 31 de Outubro de 1868).
- P14 – Livro de registo de conta corrente (Nondina de Castro II - NCII -2 de Janeiro de 1854 a 30 Junho de 1857).
- Copiador 3 – Visconde de Beire (Pasta 7 – 10 de Outubro de 1841 a 22 de Agosto de 1843).

Sítios da Internet

            http://repositoriio-aberto.up.pt (2010.06.17).

Bibliografia

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Publicado em I Congresso Internacional Vinhas e Vinhos. Actas, coordenação de António Barros Cardoso e Sílvia Trilho, Viana do Castelo, APHVIN/ GEHVID, 2012, pp. 271-282.